Nenhum outro esporte me levou tão longe quanto às corridas de rua. Não que eu não tenha tentado outros esportes. Ao contrário. Sempre fui um esportista e com bom desempenho atlético em várias modalidades, com exceção da natação, que nunca aprendi e afugentei de vez a pretensão depois de uma ferrada de arraia no rio Amazonas.
Estou na minha quarta maratona e cheio de orgulho. É que sendo um esporte solitário, depende exclusivamente de sua força de vontade para não perder o foco e fugir do compromisso, além de exigir muita disciplina, determinação e uma capacidade de superação que nem sempre acreditamos que temos. Assim, cada vez que viajo para correr, renovo todos esses sentimentos e faço de cada instante um momento inesquecível.
Correr a Maratona de Paris foi uma das maiores alegrias de minha vida. Tanto pela maratona quanto pela cidade. Paris é algo digamos inexplicável. É preciso passar por essa emoção para saber exatamente o que estou querendo dizer. A paisagem aparentemente sem vida dá um tom diferenciado, incomum e ao mesmo tempo encantador. Os pontos turísticos, os monumentos, os boulevards tem uma linearidade marcante, com uma perspectiva tão perfeita quanto intrigante. Se a obra de Oscar Niemeyer é marcada pelas curvas, Paris é a capital do ângulo reto, da linha reta, “dura, inflexível”, como diria Niemeyer, mas dando vida a um acervo invejável de palácios, monumentos, castelos, vias, museus, que retratam a história da humanidade.
Com tudo isso, antes de mais nada, deve-se considerar a Maratona de Paris com uma corrida turística. O percurso é um passeio. Imagine largar na Champs-Élysées, à sombra do Arco do Triunfo. A emoção toma conta de seu corpo. Na minha cabeça, olhar para trás e ver o Arco do Triunfo, forte e imponente, é como se ele tivesse sido erguido não só para representar as conquistas napoleônicas, mas como forte estímulo a uma conquista pessoal.
Havia motivo para tanto. Estava determinado a buscar o índice para qualificar-me para a Maratona de Boston. O maior inimigo nesse momento nem era o tempo a ser perseguido. O clima estava frio para os padrões de um amazônida. Os termômetros marcavam 4◦C, mas a sensação térmica era de uma temperatura abaixo de zero. Achei que meia de compressão, bermuda leg, short, camiseta térmica, camiseta com o número do peito, manguitos, luvas, gorro, casaco de algodão, capa plástica e um cobertor fossem suficientes para afugentar o frio, principalmente na largada. Depois, no decorrer da prova, esses acessórios seriam dispensáveis.
Além da elite, apenas o pelotão de 3h nos separavam do pórtico de largada. Ao se aproximar da hora “H”, descartei o cobertor, o casaco e a capa plástica. O corpo permanecia arrepiado, parte pela emoção e uma parcela maior devido ao clima frio.
Os primeiros quilômetros da prova, corri na companhia do Mauro, um descendente de japonês determinado a fazer 3h15min, que também veio a Paris por intermédio da Biarritz Turismo. Como tínhamos uma meta em comum, correr juntos seria uma boa motivação. Mas no km 8, dado a dificuldade em manter o ritmo pretendido, aconselhei o parceiro a seguir seu caminho.
Os quilômetros se sucederam nessa tentativa em manter o ritmo planejado. O corpo não aquecia e a musculatura estava travada. Tinha dificuldade para respirar. O ar frio e denso parecia congelar os pulmões. Aos poucos os problemas foram acumulando-se. O nariz começou a sangrar e só percebi num posto de hidratação, quando tirei a luva para pegar água e involuntariamente passei a mão nessa região. Depois, os lábios racharam e a garganta ficou irritada. Estava difícil engolir o carboidrato em gel e a água passava incomodando. E o frio perdurava. Acho que cheguei perto de uma hipotermia.
Com todos esses problemas, não conseguia manter o ritmo planejado. O corpo sofria principalmente com o frio. A partir do km 35, resolvi abortar o plano de 3h15min. Passei a correr sem monitorar o tempo. Reduzi o ritmo, mas mantive um pace que me permitiu finalizar a prova em 3h31min13s.
É evidente que o corpo não rendeu o esperado no clima frio de Paris. Por outro lado, um tempo na casa de 3h30min não pode ser desprezado. Terminei a maratona com a nítida sensação de que consigo correr bem abaixo desse tempo. Na minha avaliação, essa performance não se deu em função de treinamento inadequado. É provável que o corpo não tenha se adaptado ao clima frio e tenha sentido a mudança de temperatura.
E isso persistiu mesmo depois de completar a prova. Após receber a medalha, a camiseta finisher, o cobertor plástico e o kit-lanche meu corpo parecia que ia congelar. Saí para buscar o transporte da Biarritz no local combinado e lá encontrei o Mauro que havia concluído a maratona em 3h19min. As rajadas de vento frio davam uma sensação estranha. Resolvemos não aguardar a van, apanhamos um taxi e fomos direto para o hotel.
Como avaliação final, fiquei extremamente satisfeito com meu desempenho, que ficou assim:
Tempo oficial: 3h31min13s
Classificação Geral: 5626
Classificação p/ faixa etária (40-49): 2389
Ritmo: 5min/km
Velocidade média: 12 km/h

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