Correr uma maratona de forma segura e saudável independentemente de qual seja o objetivo, deve ser a meta principal em qualquer circunstância. Em Berlim, tinha plena consciência que completar a prova já seria um grande feito, tendo em vista o período de inatividade que passei, em função da lombalgia, e pelo pouco tempo de preparação após o retorno aos treinos. Na verdade, nem sabia ao certo se participaria da maratona. Só decidi depois de ver a empolgação que tomava conta da cidade. Todos apostavam na quebra do recorde mundial e ninguém queria ficar de fora da festa.

Antes da largada, tive que sair em busca da pulseirinha (veja Pulseirinha da discórdia). Depois, encaminhei-me para a baia de 3h15min. Tivemos, eu e o Mauro Marufuji, que apertar os passos porque estávamos em cima da hora da largada. Atravessamos o parque e quando chegamos à baia, o povo já havia partido. Pelo menos, já chegamos à pista aquecidos.

O planejamento para essa prova era correr sem se preocupar com o tempo. A ideia era apenas concluir os 42 km. Acostumado a completar a distância na casa de 3h30min, tive dificuldade em manter um ritmo mais conservador. Ou estava rápido ou lento demais. Os cinco primeiros quilômetros sucederam-se na média de 5min49s/km e totalizaram 29min08s. Era um pace confortável e estava dentro da proposta para finalizar o desafio.

Uma das dificuldades desse ritmo é que milhares de outros corredores também costumam correr nessa faixa, o que congestiona a pista e os postos de hidratação. Tinha que fazer malabarismo para driblar os que permaneciam próximos a bancada de distribuição e evitar o esbarrão. Mesmo assim, conseguia manter o ritmo proposto. A passagem nos 10 km em 58min17s comprova isso: pace de 5min49s/km.

Apesar de conseguir correr em ritmo constante, não controlava as passagens nos quilômetros. Nem olhava para o Garmin, simplesmente corria. Algumas vezes brincava de seguir a “linha azul” que demarcava o percurso. Apreciava a paisagem, os prédios e a esquadrilha da fumaça cortando o céu azul de Berlim. Quanto mais me distraía, menos pensava na minha lombar. Assim cruzei o km 15 com 1h27min26s e o ritmo permanecia em 5min49s/km.

A partir desse momento, já comecei a fazer a contagem regressiva da prova. Faltavam 27 km para escrever mais uma maratona no currículo. É que como o corpo estava reagindo bem a ansiedade pela chegada tomava conta. Não havia dúvida que tinha condições físicas de completar a prova. Entretanto, a possibilidade da lombalgia se manifestar é que me deixava com um certo receio de ficar pelo caminho. Por isso, em nenhum momento passou pela cabeça a intenção de imprimir um ritmo mais forte. A chegada no km 20 em 1h56min56s praticamente manteve a média de 5min50s/km.

Quando atingi a metade da prova, um senhorzinho que corria com a camiseta da MPR, identificando-me como brasileiro, passou por mim, cumprimentou-me e perguntou de onde eu era. Respondi que era de Macapá. Em tom esnobe e acelerando, ele aplicou: “Tá longe de casa, filho!” Sem esperar minha reação, o tiozinho seguiu rapidamente e desapareceu na multidão. Prossegui sem dar importância. Naquela altura do percurso só me interessava por avançar quilômetro a quilômetro. Depois de ver que estava no km 25, com 2h26min31s, ritmo de 5min51s/km, faltando 17 km para o final, e em ótimas condições físicas, cada passada representava uma conquista.

Com a proximidade do km 30, meus pensamentos já preparavam o corpo para o pior. É que sempre ouvimos que numa maratona 32 km todo mundo corre, mas o que interessa são os 10 km finais. Como não tive uma preparação adequada, passei a controlar o pace para não quebrar pelo caminho. Porém, pouca coisa se alterou, o ritmo passou para 5min52s/km e já se aproximava das 3h, com 2h56min11s. Nesse momento, passei a interagir com a plateia. Tanta gente pelas ruas gritando e incentivando que era impossível não se motivar. Se não conseguisse pela força seria pela emoção.

 No km 35, já com 3h25min21s de prova e apenas 7 km para o final, reencontrei o tiozinho. Colei nele e perguntei de onde ele era. Ele respondeu que era de São Paulo. Aproveitei e lasquei: “Tá longe de casa, tio”. Sem esperar reação, segui no meu pace e ele foi ficando para trás. Com tão pouco para o final, o corpo reagindo bem e o incentivo do povo, sentia-me cada vez mais empolgado. De repente, visualizei uma criança que segurava um placa indicando que Dennis Kimeto havia vencido e com recorde mundial (2h02min57s). Fiquei todo arrepiado de estar vivendo tamanha emoção. O físico ficou de lado e meu corpo era pura emoção.

Passei pelo km 40 com o tempo de 3h54min27s e estava ansioso pela chegada. Avistar o Portão de Brandemburgo e passar por ele com aquela multidão gritando e incentivando era fantástico, indescritível. Estava inteiro, mas muito emocionado. Durante a passagem pelo portão ainda deu tempo para mandar um beijo para minha esposa Lana, que era espremida tentando imortalizar aquele momento.

No final, consegui concluir a Maratona de Berlim em 4h07min26s, ritmo de 5min51s/km. Posso dizer que se as condições físicas não eram as ideais, pelo menos respeitei os meus limites. Foi na verdade um pacto: eu cuido do meu corpo e, quando eu preciso, ele cuida de mim.

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