Por Marcio Chaym
Três meses antes,
havia me dado uma missão: provar para mim mesmo que poderia correr dignamente
uma maratona, a despeito de julgar que meu corpo e genética eram de longe
fracos para a corrida. Talvez por isso esse desafio fosse mais instigante e
duro; a recompensa, mais doce e intensa.
De modo a abreviar este relato, ouso adiantar o relógio e pular os três meses de treinamento intenso e específico que separaram minha decisão de tentar correr a maratona e o momento da largada, ontem, dia 07/07 [Maratona do Rio].
Poucos minutos antes do início da batalha, a entidade Maratona já mandou o seu primeiro recado e disse a que veio: 7:25 hs da manhã e o termômetro marcando 24°. Não se via uma nuvem nos 360° de céu. Se a Maratona havia mandado o sol ardente para nos enfraquecer, eu, preventivamente, troquei o Manto da MPRUN pela camisa techfit BRANCA da Adidas, adquirida especialmente para ocasiões como essas, para refletir ao máximo os deletérios raios solares – foi minha armadura contra o primeiro dos asseclas que a Maratona enviaria para evitar que os guerreiros completassem suas missões e a derrotassem impiedosamente.
Dada a largada, a multidão de guerreiros se espremia como podia, avançando com todo o vigor com suas lanças em punho em direção ao monstro a ser abatido, como que se não notasse o sol e o leve calor que em algumas horas começaria a drenar sua força vital. Após o km 2 a pista começou a se ‘abrir’ e os espaços apareceram, e pude então começar a imprimir o ritmo pretendido e, principalmente, controlar com precisão suíça minha frequência cardíaca, para aumentar as chances de completar a prova e derrotar a fera.

Segui então com pace levemente abaixo de 5’ e FC próxima a 164, de modo estável até o km 21, tendo como aliados a perfeita hidratação fornecida pela organização da prova a cada 3km e o Gatorade em saquinhos plásticos a cada 5km. Foi a primeira vez que recebi o isotônico neste recipiente e, depois da experiência, posso afirmar que é uma grande vergonha toda e qualquer organização de prova que teime em oferecer a bebida em copos descartáveis. Pude aproveitar todo o conteúdo de todos os saquinhos oferecidos. Não houve desperdício, nem de bebida nem de tempo.

A essa altura havia espantado solenemente o meu fantasma particular – a reserva e o trecho da Barra da Tijuca que me derrubaram nas duas Golden Four da Asics. Não havia mais fantasma; a técnica, o preparo e o polimento exorcizaram todos os demônios.
Então, eis que surge o segundo leviatã enviado pela Maratona: o elevado do Joá. Apesar de não ser tão impiedoso como o que viria depois, começou a derrubar uma grande quantidade de guerreiros que por lá passaram, já combalidos após percorrerem cerca de 23km. Muitos já alternavam entre trotes e caminhadas; outros, como eu, seguiam decididos e sem diminuir muito o ritmo e se desvencilhando sem muitas dificuldades de mais essa ameaça. Sequelas do combate, no entanto, começavam a surgir…
Após a subida do elevado, enquanto aguardava a FC estabilizar novamente nos patamares desejados, notei que alguns músculos da perna começavam a doer; uma dor leve, mas que poderia se transformar no prenúncio da derrota.
Aproveitei então o trecho de alguns km protegido do sol para recobrar as energias e retomar o ritmo, um pouco mais cadenciado que o anterior mas suficientemente forte para completar a prova em um bom tempo.
Eis que chego a São Conrado e me lembro novamente as duas Golden Four – a primeira em que alternava entre trote e caminhada e a segunda com câimbras excruciantes nos braços e costas. Desta vez, naquele ponto já havia corrido 4 km a mais e ainda estava conseguindo manter um pace de 5’15’’, controlando a FC em 165.
Fechando o trecho de São Conrado, a Maratona decidiu apelar e enviou o mais mortal de seus asseclas: a subida da Niemeyer. Após 28 km já não havia muitas cartas na manga para enfrentar mais esse desafio. A vontade de alternar corrida e caminhada ficou forte e doravante não alguns, mas muitos guerreiros caíam, leva após leva, sucumbindo aos montes. A Maratona ria em altos brados, mostrava seu poder e intimidava cada um dos guerreiros que ousaram em algum momento desafiá-la.
Chegando ao ápice da Niemeyer, após total exaustão das pernas, a descida se iniciava com esforço comparado ao da subida e então duas opções se apresentaram: cadenciar a descida, forçando mais a musculatura mas evitando acidentes e lesões, ou deixar o corpo se levar pela descida, enxugando o tempo da prova mas com maiores impactos e risco de queda. Optei pela segunda, acelerei, senti o impacto de um aríete em cada um de minhas pernas a cada passada e cheguei como um foguete ao Leblon, onde tive a mais bela das surpresas: uma multidão de expectadores aplaudindo os guerreiros sobreviventes que lá surgiam e nos incentivando com gritos, sorrisos e muitos aplausos. Foi uma injeção de ânimo na veia, que fez com que meus olhos ficassem marejados em diversos momentos. Aplaudi de volta, agradeci ao público pelo apoio e continuei. A vontade de chorar era imensa, meus olhos se encheram de lágrimas várias vezes, mas tive que me controlar – faltavam ainda 12km.
A partir daí a dor nas pernas começava a ficar insuportável e, como se isso não bastasse, surgiam câimbras nos braços. O pensamento que passava em minha mente e se repetia a cada 5 segundos era “tenho que terminar essa prova com dignidade”. Mas a dor excruciante, aliada às câimbras, mostrava que o Monstro Maratona ainda estava vivo e determinado a não se deixar derrotar.
Leblon e Ipanema superados com muito sacrifício, abandonei qualquer controle sobre frequência cardíaca e segui guiado pelo coração. A mente me ordenava parar e o corpo doía demais. Apelei então para o coração. A visão ficava procurando cada próxima placa de km, sem sucesso. As câimbras permaneceram nos braços, mas cresceram para as costas. Corria alongando os braços, levantado o tronco, alongando as costas, mas as câimbras não cediam. Foi então que vi que havia cometido um erro crasso: esqueci de tomar meu segundo pacotinho de sal…rapidamente tentei sacá-lo do bolso da bermuda, em vão…as câimbras não me permitiriam executar um movimento tão audacioso e complexo…é, a Maratona tem suas artimanhas.
Com o passar dos metros os espasmos foram se espaçando e a dor se concentrou nas pernas. Leves espasmos começaram, entretanto a se instalar no músculo posterior da perna esquerda. Passei a controlar minha passada e acionei mais a perna direita. Se a Maratona tem suas armas, eu também tenho meus subterfúgios, e como bom guerreiro iria lutar até cair, não iria deixar me levar. E novamente, a cada 5 segundos: “tenho que terminar essa prova com dignidade”.
Pela intensidade do esforço, fiz questão de me premiar. Não deixei minha mente pensar que havia me derrotado, apenas me presenteei. 1 minuto. Comecei a contar até 60 e andei por 1 minuto. Foi o prêmio que recebi por suportar tanto esforço. Usufruído o prêmio, era hora de derrubar de vez o último de muitos muros que a Maratona havia construído em seus 42,2km.
Cheguei ao aterro e pensei: “estou em casa. Já corri tantas vezes aqui, que esse trecho é meu, não vou ser derrotado na minha casa”. Com esse sentimento segui forte nos 2 km finais. As placas de km continuavam a se esconder de mim, mas eu não parei de seguir em frente. Aos poucos notei que grades laterais surgiam no horizonte e a população se espremia junto a elas. Avistei a placa de 42km e sofri ao pensar que faltavam 200m + 200m para a chegada.
Comecei a
procurar em volta rostos conhecidos. Não os achei até enxergar a tenda da
MPRUN. Olhei de relance e vi os colegas de equipe gritando meu nome. Tentei
sorrir, mas a dor era grande. Olhei o pórtico e cruzei-o, enfiando a adaga
mortal entre os olhos do monstro que insistia em tentar me derrotar. Olhei para
o Polar e vislumbrei o tempo de 3h42m49s.
A Maratona, antes
para mim um mito, agora se tornara uma lenda.
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Depoimento do
leitor do blog Marcio Chaym sobre seu desempenho na Maratona Internacional do
Rio de Janeiro, ocorrida em 07/07/2013.
  1. Marco, postei no meu FB o endereço do seu blog, assim como a referência à reprodução do meu relato.

    Fiquei muito honrado com a oportunidade.

    Novamente, meu muito obrigado.

    Abraços,
    Marcio Chaym

  2. Cara que além de buscar condicionamento com técnica e suprrvisão denota total emoção. Um corpo que não vibra é um esqueleto que se rasteja. Parabéns maratonista. Marcelo Alves

  3. Meu amigo, seu relato vai servir de inspiração e incentivo para muita gente. É que no universo das corridas há um seleto grupo de mortais chamados de maratonistas. Agora, você faz parte dele. Seja bem-vindo! Grd abraço

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